quinta-feira, 10 de maio de 2012

Dons espirituais para evangelizar e testemunhar (comentário ao estudo nº 03)





I. Um corpo

Entre as metáforas utilizadas na Bíblia para descrever a igreja e aqueles que fazem parte dela está a do corpo de Cristo (1Co 12:12-27). Nesse corpo, cada membro exerce função importante Descrevendo sua  própria experiência, Paulo identificou o corpo de Cristo. Ele disse: “Agora, me regozijo nos meus sofrimentos por vós; e preencho o que resta das aflições de Cristo, na minha carne, a favor do Seu corpo, que é a igreja” (Cl 1:24). Em certa dimensão, nenhum cristão individualmente ou de forma isolada pode representar totalmente ou refletir a pessoa de Cristo da maneira pela qual a igreja o faz coletivamente. Portanto, cada cristão é um membro valioso do Seu corpo e cada um tem uma função distinta (1Co 12:20-30).

Se a igreja é comparada ao corpo de Cristo, a Bíblia sugere que ela é mais do que mera organização humana: é um organismo onde cada membro tem um papel a desempenhar. Deus não chama pessoas para que se tornem espectadoras, mas para que se tornem membros que contribuam para o bem-estar de todo o corpo.

Aquela que provavelmente seja a melhor ilustração da mobilização dos membros leigos, a ideia do corpo de Cristo, ensina pelo menos duas lições importantes: (1) Ser parte do corpo de Cristo acompanha a ideia de dinamismo, vivacidade, movimento, participação e mobilização. Um corpo com vida se exercita, vai a diferentes lugares, realiza ações, observa os arredores e, até mesmo, se machuca, às vezes; (2) se todos os membros desse corpo são capacitados espiritualmente para ministrar interna e externamente, é natural esperar que o corpo cresça, se desenvolva e gere novos cristãos que também receberão as bênçãos do relacionamento direto com  a Cabeça.

II. Vários membros, vários dons

Depois que Cristo subiu ao Céu, o Espírito Santo foi enviado para equipar Sua igreja com poder e dons espirituais a fim de que Seus discípulos pudessem continuar buscando os objetivos do ministério de Cristo (Ef 4:8, 11). O que Jesus ensinou, a igreja deve continuar ensinando; o que Cristo fez, a igreja deve continuar fazendo; o que Ele pregou, a igreja deve continuar pregando. “O Espírito Santo de Deus tem estado na igreja desde o princípio. Portanto, os dons do Espírito não estavam confinados aos tempos do Novo Testamento. Isso é evidente pelo fato de que muitos profetas existiram em tempos antigos. É a vontade e o plano de Deus que a Sua igreja seja capacitada por dons até o fim dos tempos (Ef 4:8, 11-13)” (SDABC, “1Corinthians”).

A relevância dos ensinos sobre os dons espirituais é ressaltada por Paulo no início do capítulo 12 de 1 Coríntios: “
A respeito dos dons espirituais, não quero, irmãos, que sejais ignorantes” (verso 1).  A palavra “espirituais”, neste verso, é uma tradução da palavra grega pneumatikon, que é derivada diretamente da palavra para Espírito Santo. Já a palavra “dons”, no Novo Testamento, é uma tradução de palavras derivadas do termo grego charisma, característica dos escritos de Paulo (exceto por 1Pe 4:10). A forma plural é usada num sentido técnico em referência aos dons extraordinários do Espírito outorgados aos cristãos para equipá-los para o serviço da igreja (Jamieson-Fausset-Brown Bible Commentary, “1Co 12:1”).

Apesar de hoje a palavra “carisma” ter assumido uma conotação bastante secular, na maioria das vezes, na língua grega do Novo Testamento, ela está diretamente relacionada com a palavra “graça” (charis). Portanto, uma tradução contemporânea poderia sugerir que a Bíblia está tratando de “presentes espirituais da graça de Deus”.

É propósito da redenção não somente eliminar o pecado, mas restituir ao homem os dons espirituais perdidos pelo poder atrofiante do pecado” (Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 266). “A toda pessoa é atribuído algum dom ou talento peculiar que deve ser utilizado para o progresso do reino do Redentor” (Ellen G. White, Testemunhos Para a Igreja, v. 4, p. 618). “Em todas as disposições do Senhor, não existe nada mais belo do que Seu plano de dar aos homens e às mulheres uma diversidade de dons” (Ellen G. White, E Recebereis Poder, p. 191).

A Bíblia menciona vários detalhes sobre a dinâmica dos dons espirituais. Essas dádivas são concedidas individualmente, por ocasião do batismo do Espírito Santo, que resulta em um corpo com muitos membros unidos uns aos outros e a Cristo (1Co 12:12, 13). A cada cristão é concedida uma capacitação específica. Ninguém fica destituído de tal dom (1Co 12:7, 11, 12-27), mas na distribuição o Espírito age em total soberania (1Co 12:11). Os dons são diversos (1Co 12:6, 8-10, 28-30), mas de igual valor, já que são outorgados pelo mesmo Espírito.

A igreja adventista tem enfatizado a continuidade dos dons do Espírito, principalmente em relação ao dom de profecia, que está muito ligado à sua identidade. No entanto, é importante dar a ênfase necessária aos demais dons espirituais. As quatro principais menções e listas de dons na Bíblia, Romanos 12, 1 Coríntios 12, Efésios 4 e 1 Pedro 4:10, 11, concordam em que eles servem a três propósitos: crescimento espiritual pessoal, edificação do corpo e proclamação do evangelho (Ef 4:12).

III. Vários ministérios

Na prática, os dons espirituais se tornam funcionais na proclamação do evangelho através de uma sequência natural, como 1Coríntios 12:4-6 parece indicar, envolvendo ministérios (ou serviços) onde os dons são colocados em prática através de atividades (ou realizações). De certa forma, as áreas em que  os departamentos da igreja adventista estão estruturados representam e agrupam os diferentes ministérios e dons em seus diversos modos de atuação.

As pesquisas de Christian Schwarz  (O Desenvolvimento Natural da Igreja) têm demonstrado a importância de ministérios orientados pelos dons. Nenhum outro fato ou qualidade influencia tanto a vida pessoal e a da igreja como o reconhecimento da soberania de Deus na organização do trabalho na igreja.

Nesse sentido, Ellen G. White declara que umas das principais razões da condição espiritual da igreja de Laodiceia é a negligência dos dons espirituais (MR 1388). “
As igrejas estão definhando porque seus talentos não foram empregados para difundir a luz” (Testemunhos Para a Igreja, v. 6, p. 431).

Tão importante quanto identificar os dons é evitar o abuso (mau uso ou não-uso) deles, como por exemplo não usar os dons outorgados, tentar usar os dons que não foram outorgados, empregar os dons para algum dos propósitos, mas não os três. Segundo Peter Wagner, ainda existem dois outros tipos de abuso dos dons espirituais: a exaltação do dom e a síndrome da projeção do dom. O primeiro é a tendência de exaltar um dom acima dos demais. Considerar algum dom como equivalente a uma condição espiritual superior. O que acontece é que o dom é visto como um fim em vez de um meio de bênção. A própria igreja de Corinto parecia estar fazendo isso com o dom de línguas. A síndrome da projeção do dom, por outro lado, refere-se ao fato de alguns quererem que todo o corpo seja olho, por exemplo. Dessa forma, acabam por vezes desdenhando os demais que não são como eles. Os efeitos geralmente são o contrário do esperado, causando mais frustração e confusão naqueles que buscam ser fiéis ao plano de Deus. 

Uma última palavra de advertência deve ser dada quanto à contrafação do inimigo em relação aos dons do Espírito. Apesar de todos os dons serem alvo da ação de Satanás, os de fé, milagres, curas, línguas e interpretação parecem ser mais atraentes. Para prevenir isso, o corpo também é dotado com o dom do discernimento. A reação do corpo diante da contrafação não deve ser de timidez nem de acanhamento, mas de preocupação e engajamento para apresentar os verdadeiros dons do Espírito.

IV. Ministério pessoal

É importante você saber que receber a graça divina para a salvação é receber o dom divino para o serviço, e isso contribui para gerar o fruto do Espírito. Enquanto que os dons estão relacionados à missão da igreja, o fruto do Espírito é eterno. “Enquanto os dons são orientados para tarefas, o fruto é dirigido a Deus” (Peter Wagner, p. 54).

Como a lição mencionou, descobrir os dons espirituais é, mais ou menos, como descobrir a função que o Senhor deseja que você desempenhe no corpo. Mas ela também indicou que muitas vezes o processo de descobrir e usar os dons é mais inconsciente. Ao se envolver na igreja, o cristão busca aquilo pelo qual sente mais aptidão espiritual, o que é o seu dom.

Em 2009, uma pesquisa nos Estados Unidos concluiu que um grande número de cristãos não conhecia seus dons espirituais; dois terços dos cristãos que haviam ouvido falar sobre dons espirituais não tinham conseguido aplicar em sua vida o que a Bíblia ensina. O dom mais identificado entre os pesquisados foi o do ensino, serviço e fé. 1% dos cristãos acreditava ter o dom de evangelismo (http://www.barna.org/barna-update/article/12-faithspirituality/211-survey-describes-the-spiritual-gifts-that-christians-say-they-have?q=spiritual+gifts). Um grande número de cristãos imagina que dons espirituais incluem coisas como senso de humor, ir à igreja, ser amigável, etc. (C. Peter Wagner, Discover Your Spiritual Gifts, p. 39.)

Os dons espirituais agem na igreja em várias direções. Por um lado, quando pensamos nos dons como um princípio organizador da igreja, lembramos que eles também promovem a unidade do corpo de Cristo, já que o Espírito é um e o mesmo que distribui os dons, e Seu caráter é coerente (1Co 12:11). Por outro lado, entender que Deus me conhece e me ama, e que o Espírito Santo vê tanto valor em mim que deseja me dar um presente pessoal para que eu possa servi-Lo é uma compreensão que deveria motivar uma atitude de certeza do amor de Deus por mim e entusiasmo pela missão voltada para meu próximo.

O Espírito de Profecia fala da relevância dos dons espirituais nos últimos dias da história:
(1) Para uma igreja unida (Primeiros Escritos, p. 140);
(2) Para uma comunidade de adoração (O Desejado de Todas as Nações, p. 65);
(3) Para um povo santo (Mensagens Escolhidas, v. 1, p. 127); e
(4) Para um povo missionário (Atos dos Apóstolos, p. 111).

Como a crença adventista fundamental 17 afirma, “
quando os membros utilizam esses dons espirituais como fiéis mordomos da multiforme graça de Deus, a igreja é protegida contra a influência demolidora de falsas doutrinas, tem um crescimento que provém de Deus e é edificada na fé e no amor”.

Ilustração
Certa vez, li sobre um morador da região central dos Estados Unidos que recebeu um presente de natal, em 1982. Esse professor aposentado decidiu escolher um presente aleatoriamente para ser aberto no dia seguinte como uma forma de estender a alegria do natal. Com as preocupações rotineiras, um dia virou uma semana e depois um ano. No natal seguinte, ele decidiu continuar a tradição de não abrir aquele que, mais tarde, foi identificado como um presente da sua mãe.

Na ocasião da reportagem, 26 anos depois, a mãe dele já havia falecido, mas esse senhor e os familiares haviam adotado a ideia de prolongar a alegria do natal ao manter aquele presente fechado.

A história fez-me lembrar do hábito humano de enterrar talentos descrito na conhecida parábola de Jesus. Em vários dos seus escritos, Ellen G. White dá este conselho: “
Coisa triste é, também, embrulhar num lenço o talento que nos é confiado e escondê-lo no mundo; pois isso é lançar fora a coroa da vida. Deus requer nosso serviço. Há responsabilidades para cada pessoa; e só podemos cumprir a grande missão da vida quando essas responsabilidades forem amplamente aceitas, e fiel e conscienciosamente desempenhadas” (Fundamentos da Educação Cristã, p. 83).

Sua felicidade se prolongará ao manter o presente do Espírito aberto e ativo!

Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dia Professor do SALT/UNASP Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews  -  mecdias@hotmail.com






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