quinta-feira, 10 de maio de 2012

Evangelismo e Testemunho como estilo de vida (comentário ao estudo nº 04)






I. Salvação integral

As doutrinas de Deus, da Criação, do ser humano, do pecado, de Cristo e da salvação, entre outras, estão diretamente relacionadas com uma compreensão bíblica a respeito da missão holística —uma abordagem equilibrada e integral da missão que causa transformação física, mental, social, espiritual e bem-estar à pessoa e à sua comunidade (Wagner Kuhn, Christian Relief and Development, p. 4). 

O conceito de salvação tem fortes conotações religiosas e missiológicas, já que o testemunho missionário é guiado pela visão salvífica de Cristo. O Dicionário de Teologia da Missão ressalta que a “visão de salvação provavelmente seja o determinante mais crítico para decidir nossa abordagem da missão” (verbete “Salvação”).

Na Bíblia, vários termos são associados com a ideia de salvação. Um deles é a palavra grega sozo, traduzida geralmente por “salvar”. No entanto, o conceito de salvar, nesse contexto, é bem mais abrangente, incluindo resgate, restauração, perdão e cura—mais do que o aspecto espiritual. Por exemplo, a Bíblia diz que o leproso foi salvo (Lc 17:19) assim como o cego Bartimeu (Mc 10:52), o homem da mão ressequida (Mc 3:4 e 5) e o homem endemoninhado (Lc 8:36).

Esse é mais um testemunho de que Deus está interessado em corrigir a devastação do pecado e seus efeitos sobre a humanidade. A visão de que o ser humano é uma unidade inseparável (diferente da visão da filosofia grega) é essencial para a compreensão bíblica e implica no fato de que não é possível restaurar apenas um aspecto (espiritual, por exemplo) sem se atentar para as outras necessidades (físicas, por exemplo). 

Em relação à missão, isso significa que não podemos divorciar a dimensão vertical da horizontal, a reconciliação com Deus da reconciliação com os Seus filhos e filhas. As duas dimensões não são idênticas, mas estão conectadas (Mt 6:14-15).

A história do povo de Deus é marcada por esse princípio. Logo após o pecado, Deus interveio provendo  todas as necessidades de Adão e Eva, incluindo roupas de pele de animais (Gn 3:21). Assim, as leis e instruções do Antigo Testamento demonstram a providência para as diferentes necessidades (dos pobres, viúvas, doentes, estrangeiros, etc.) incluindo a observância do sábado, o ano do jubileu e o conceito de shalom. No Novo Testamento, percebe-se a continuação desse princípio, com seu apogeu no ministério de Cristo (em mais detalhes a seguir).

Apesar de isso não significar que aqueles que aceitam Cristo não sofrerão fisica, mental ou espiritualmente enquanto esperam a transformação final (glorificação), existe uma bênção para a vida agora, que é um sinal do reino e uma antecipação da salvação final em Cristo.

Portanto, a missão é fiel às Escrituras somente quando cruza fronteiras com a intenção de alcançar pessoas que, sob a atuação do Espírito Santo, terão sua vida transformada em todas as dimensões, de acordo com o propósito de Deus, sendo capacitadas para desfrutar vida plena. 

De forma geral, quatro princípios são muito pertinentes a esta explanação:
1) A mensagem do evangelho é um todo. Talvez seja importante lembrar que as boas- novas do evangelismo não são simplesmente uma série de proposições, mas acima disso uma revelação sobre a pessoa de Jesus e um convite a um relacionamento com Ele.
2) A integridade do convite evangelístico inclui apresentar Jesus como o Salvador que perdoa os pecados mas também como o Senhor ao qual é preciso se submeter incondicionalmente.
3) De forma especial, um dos aspectos da conversão, a santificação, é um processo para a vida toda.
4) Aquele que apresenta o evangelho deve ser sensível às necessidades específicas daqueles que o recebem.

II - Cristo, o modelo

O modelo encarnacional do ministério de Cristo é o exemplo para Seus seguidores. Todos os eventos da Sua missão apontavam para a missão integral que buscava a salvação integral. O amor a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a si mesmo foi o princípio maior modelado pelo Salvador. Na cruz, o ministério da reconciliação com Deus e com o próximo através do autossacrifício alcançou seu apogeu. A ressurreição de Jesus como as primícias dos que dormem (1Co 15:20) é a garantia de uma nova criação e de vida eterna. 

Jesus anunciou um evangelho que era, ao mesmo tempo, boas-novas espirituais, sociais, emocionais e físicas dentro do contexto do plano da salvação (Mt 9:35). O texto de Lucas 4:18-19 é apontado como o da inauguração do ministério de Cristo na Terra. Jesus claramente aplicou lições do evangelho que desafiaram as posições na sociedade dos pobres e dos ricos, das crianças, dos leprosos, das mulheres em geral, das prostitutas, das lideranças políticas e das estruturas de poder. Mas vale lembrar que Jesus frustrou alguns por não ter sido um revolucionário social no sentido esperado.

A declaração de missão da Igreja Adventista estabelece como padrão o tríplice ministério de Cristo: ensino, pregação e cura. “A comissão de Jesus Cristo nos motiva a levar outros a aceitá-Lo como seu Salvador pessoal e a se unir à Sua igreja. Também nos faz nutri-los na preparação para Sua vinda iminente. Isso está na essência da missão da igreja e é realizado através dos ministérios da pregação, ensino e cura

O livro Beneficência Social, de Ellen G. White, é um manual, muitas vezes negligenciado, sobre esse assunto. Veja um dos conselhos:Em simpatia e compaixão, devemos ministrar aos que estão em necessidade de auxílio, procurando com fervente altruísmo aliviar as dores da humanidade sofredora. Empenhando-nos nesta obra seremos grandemente abençoados. Sua influência é irresistível. Por ela, corações são conquistados para o Redentor. A promoção prática da comissão dada pelo Salvador demonstra o poder do evangelho(Ellen G. White, Beneficência Social, p. 117). 

A versão da grande comissão encontrada em João 17:18 e 20:21 enfatiza o fato de que os cristãos são enviados como Jesus, para seguir Seu exemplo (Lc 9:2).

III-Missão integral

A definição de testemunha dada no comentário da primeira lição diz que esta “é alguém que, por explicação ou demonstração, dá evidência visível ou audível daquilo que tem visto ou ouvido sem se alterar pelas consequências dessas ações”. Este é o momento de enfatizar a palavra “demonstração”. 

Essa demonstração, conforme foi sugerido, pode ser uma consequência da proclamação, uma ponte para ela ou uma parceira dela (Encountering Theology of Mission, p. 140). No entanto, em muitos casos essas demonstrações ocorrem até mesmo antes da proclamação. Bryant L. Myers ressalta que a Bíblia lista várias situações em que a proclamação verbal a respeito do evangelho aconteceu após uma demonstração pelo estilo de vida que levou pessoas a um questionamento. Foi o caso do sermão de Pedro no dia do Pentecostes, o testemunho de Pedro perante o Sinédrio e o testemunho de Estêvão (Walking with the Poor, p. 210).

Portanto, além do ir e pregar existe a dimensão do viver e contar. “Algo acontece que torna as pessoas cientes de uma nova realidade e, portanto, surge a questão: ‘Qual é a realidade? E a comunicação do evangelho é a resposta dessa pergunta” (Lesslie Newbigin, The Gospel in a Pluralist Society, p. 133).

O cristianismo que perdeu sua dimensão vertical perdeu seu sal, e é não somente insípido em si, mas inútil para o mundo. Mas o cristianismo que usar a dimensão vertical como um meio de escapar da responsabilidade pela vida e na vida comum dos homens é uma negação da encarnação da vida de Deus pelo mundo manifestada em Cristo (Encountering Theology of Mission, p. 133). O evangelismo não pode ser privatizado nem interiorizado: ele tem efeitos sociais (Encountering Theology of Mission, p. 144).

Quando se entende que essas ações são parte integrante do evangelho, parece que até a discussão sobre fé e obras (Mt 5:16, Tg 2:14-26), que faria parte da explicação,  deve ser relegada a segundo plano. No contexto escatológico, Mateus 25 pode ser apontado como a nota tônica da relação entre a missão e a salvação.

Espera-se que a vida comum da igreja molde a sociedade. Como alguém sugeriu, a vida da igreja é a palavra evangelística em carne e osso (Ronald J. Sider, One-Sided Christianity, p. 178). Quando a igreja se torna uma demonstração visível do evangelho que prega, já apresenta um testemunho forte (Pv 29:7).

Não se pode incorrer no erro de pensar que a escatologia seja uma esperança histórica fundamentada primariamente no poder de mudança social (Encountering Theology of Mission, p. 132). O Evangelho não é meramente uma ética social (David Bosch, Transforming Mission, p. 507).

Um dos perigos é achar que os cristãos são eximidos das suas responsabilidades sociais pelas bênçãos recebidas em longo prazo, como consequência, por aqueles que adotarem as prioridades bíblicas e um estilo de vida segundo o povo de Deus. 

Outro perigo é polarizar o evangelho com uma abordagem dualística que separa a proclamação do estilo de vida e vice-versa e as necessidades dos seres humanos em espirituais e materiais. A compreensão holística sobre a missão é muito importante para manter o equilíbrio na abordagem evangelística e no testemunho. Ela ajuda a entender que “o evangelho de Cristo não é um evangelho social, como alguns defendem, mas a salvação não pode ser pregada num vácuo sem se considerar as necessidades temporais das pessoas” (Wagner Kuhn, Christian Relief and Development, p. 134).

O Pacto de Lausanne diz que a evangelização e o envolvimento sociopolíticio são parte do dever cristão e de forma equilibrada afirma que “ambos são expressões necessárias de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de nossa obediência a Jesus Cristo. ... Quando as pessoas recebem a Cristo, nascem de novo em Seu reino e devem procurar não só evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a este mundo injusto.

Como ressalta Érico T. Xavier, o foco da missão adventista é o ser humano integral (Teologia de Missão Integral, p. 184). Desde o seu princípio, a igreja adventista adotou uma estrutura que possibilita a missão integral através dos seus hospitais, escolas, casas publicadoras, orfanatos, etc. A esta altura, talvez tenha ficado mais fácil entender o por quê de a obra médico-missionária ser chamada de braço direito da causa de Deus no Espírito de Profecia (Beneficência Social, p. 122).

IV - Meu estilo de vida

Apesar de roupas, em alguns contextos, identificarem o papel e o status das pessoas, a principal maneira de se reconhecer um pescador, um camponês, um soldado, não era pelas roupas que vestiam, mas pelo estilo de vida. O mesmo é verdadeiro em relação aos cristãos.

Às vezes, pensamos que existem duas opções: testemunhar ou não testemunhar. Isso não é verdadeiro. Embora meu estilo de vida envolva aspectos exteriores (modéstia cristã, roupas) e disciplinas espirituais (hábitos de devoção), ele não está restrito apenas a isto. Deve incluir, de forma prática, meu amor pelo próximo. Como a lição apontou, quando o testemunho verbal não encontra eco em demonstrações de amor ao próximo, a credibilidade do evangelho é seriamente afetada.

Uma grande acusação contra o cristianismo hoje é de ineficácia. Uma importante pesquisa feita nos Estados Unidos com jovens (16 a 29 anos) apontou que existe uma barreira formada pela percepção que muitos têm sobre os evangélicos. Os entrevistados descreveram essas pessoas, entre outras coisas, como hipócritas, fora de contato com a realidade, insensíveis, rápidas em julgar os outros (David Kinnaman, UnChristian, p. 28).

As pessoas sentem que alguma coisa está errada se todo o interesse do evangelista por elas se resume a que elas se conformem com as crenças da igreja e sejam batizadas, quando elas também têm necessidades em outras áreas. Por isso é importante a sensibilidade na hora de usar palavras como campanha, cruzada evangelística, ganhar almas, missão, etc.

Obviamente, um modo de não ter que se preocupar com as necessidades dos outros é simplesmente permanecer na sua “bolha” ou, como Richard Stearns chama, “spa espiritual”. Uma igreja que existe somente entre quatro paredes não pode ser considerada igreja. O modelo missionário da igreja de Cristo claramente envolve o ato de ir às pessoas, por mais que isso não seja natural para o ser humano.

A lição lembrou de uma metáfora que a Bíblia usa para o cristão: uma carta ao mundo. Entre outras comparações, como a do sal e da luz, ainda tem a do perfume. A influência do cristão deve ser exercida dentro e fora da igreja; dentro e fora de casa.

Algumas das sugestões de Bryant L. Myers sobre como testemunhar incluem:
1) Viver vida eloquente;
2) Ter uma mente humildemente crucificada (a mente de Cristo);
3) Reconhecer as impressões digitais de Deus no mundo;
4) Buscar a Deus em comunidade; e
5) Compartilhar aquilo que você crê com compaixão.

Ilustração

Em 1948, um evangelista americano estava terminando uma série de pregações na Ásia. Antes de voltar para casa, ele pregou numa escola missionária na China e, como de costume, convidou aquelas crianças a entregar o coração a Jesus. Jade, uma menina que aceitara o convite, ao retornar para sua casa naquela noite, contou aos pais que havia se tornado cristã. Eles ficaram bravos e ela apanhou do pai que, ainda, a deserdou e a expulsou de casa.

Na manhã seguinte, a diretora da escola encontrou Jade chorando em frente ao portão. Quando o evangelista passou pela escola, a diretora trouxe a menina e disse: “Jade fez o que você falou para ela fazer, e agora ela perdeu tudo o que tinha!”

O evangelista perguntou: “O que você vai fazer?” A diretora respondeu que já dividia seu prato de arroz com outras seis crianças e retrucou: “A pergunta é o que você vai fazer.”

Talvez não devêssemos nos preocupar apenas em trazer pessoas para a igreja, mas em estabelecer a igreja no mundo.

Deveríamos nos preocupar com as mudanças que o mundo pode trazer para a igreja, mas também como a igreja pode mudar o mundo.

Nossa oração diária deve ser “Que meu coração seja quebrantado pelas coisas que quebrantam o coração de Deus (Bob Pierce).

Autor deste comentário: Pr. Marcelo E. C. Dias Professor do SALT/UNASP Doutorando (PhD) em Missiologia pela Universidade Andrews mecdias@hotmail.com




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